Resumo-introdutório
O suicídio é umas das principais causas de morte no mundo
e um problema discutido por diversos autores e organizações internacionais de
saúde que lutam pela melhoria da saúde pública. Embora seja prevenível, o
suicídio mata em cada 40 segundos uma pessoa algures no mundo. Segundo a
Organização Mundial de Saúde (OMS), o suicídio é a segunda maior causa de
mortes no mundo sendo a maioria dos que se matam jovens entre os 15 à 29 anos
de idade (OMS, 2014: 6).
Os dados estatísticos de 2012 da mesma organização,
estimam a ocorrência de mais 804 000 casos de suicídios no mundo, perfazendo
uma a taxa anual de 11.4 por 100 000 habitantes. Entretanto, estes dados não
são exactos dado que muitos casos de suicídio não são reportados pelo facto de
o mesmo ser ilegal nalguns estados e pela prevalência do estigma ao suicídio
(OMS, 2014: 10).
Avimar Ferreira
Júnior no artigo intitulado “Comportamento
suicida no Brasil e no mundo”, baseando-se nos dados da OMS (2012),
apresenta Moçambique como um dos países do mundo que apresenta maior índice de
suicídios, e o país africano que apresenta a mais elevada taxa de suicídios,
tendo-se registado uma taxa de 27,4 mortes voluntárias por cada 100 mil
habitantes (Júnior, 2015: 2).
Por ser um problema sério que afecta a nossa vida social,
económica e psicológica e por ocasião da passagem do Dia Mundial de Prevenção
do Suicídio (10 de Setembro), achamos pertinente, através deste artigo, abrir
um espaço de debate sobre a decisão de tirar a própria vida. A questão de fundo
que orienta o nosso discurso é: vale a pena deixar-se partir, quando a vida
parece não ter mais sentido? Porquê?
O objectivo deste debate, é colher informações sobre as
percepções que os nossos compatriotas têm sobre a decisão de tirar-se a própria
vida.
Tais informações serão importantes para posterior
elaboração de um estudo mais aprofundado sobre as percepções sociais do suicídio
ao nível do país, no geral, e da província de Inhambane, em particular.
- A
problemática conceptual do suicídio
O suicídio constitui um problema social e até mesmo
filosófico muito sério, porque falar de suicídio implica procurar entender o
sentido da vida, se vale a pena ser vivida (Albert Camus). Implica também
perceber o estado da sociedade e os factores sociais e outros que influem na
vida das pessoas e que as induzem a acabar com as suas vidas.
Para Durkheim, que é um clássico no estudo sociológico do
suicídio, o suicídio é um acto voluntário, consciente e intencional, positivo
ou negativo, de acabar com a própria vida (Durkheim, 2000: 14).
Durkheim coloca como indício central de suicídio, a
consciência que o individuo suicida tem de que o acto que vai cometer
causar-lhe-á a morte.
Na mesma linha de pensamento, a OMS (2014:12) define o
suicídio como sendo “o acto de deliberadamente matar-se a si próprio”. Porém, o
Conselho Federal de Psicologia (CFP) do Brasil, defende que “independentemente
da intenção ou consciência, independentemente dos meios usados, da motivação e
da conjuntura em que o fenómeno ocorre, toda a morte autoinfligida é suicídio”
(CFP, 2013: 17).
No entanto, torna-se difícil definir o que seja suicídio
devido à existência de vários factores do suicídio e devido à existência de
vários comportamentos suicidários[1] que se
confundem com o suicídio, como são os casos de consumo abusivo de substâncias
psicoactivas, a condução de veículos em estado de extrema embriaguez, ou
quaisquer outros comportamentos de risco e de automutilação (Idem).
Alvarez, A. na sua Obra “O Deus selvagem”, considera o suicídio um problema muito complexo
e, portanto, que nenhuma teoria poderá dar uma explicação cabal e definitiva
sobre o mesmo dado que envolve infinitas razões e tão complexas. Entretanto,
toda a explicação do suicídio é uma explicação parcial, ou seja, o estudioso
explica as razões de um determinado acto de suicídio tal como as entende
(Alvarez, 1999, p. 12).
Várias são as teorias que tentam explicar o suicídio,
porém nenhuma delas por si só pode explicar cabalmente um fenómeno tão
complexo, multideterminado e difícil de investigar como este, como afirmou
Alvazez: “o suicídio é um mundo fechado que tem uma lógica própria e
irresistível” (Ibid., p. 127).
Segundo a teoria psicanalítica o suicídio pode ser
explicado a partir de transtornos de humor (depressão), transtornos mentais e
comportamentos decorrentes do uso de substâncias psicoativas (ex. alcoolismo),
transtornos de personalidade (ex. comportamento anti-social); esquizofrenia;
transtornos de ansiedade.
A teoria psicológica defende que o suicídio está
associado à perdas recentes, perdas de figuras parentais na infância, dinâmica
familiar conturbada, datas importantes, reacções de aniversário, personalidade
com traços significativos de impulsividade, agressividade, humor hábil;
A teoria clínica associa o suicídio à doenças
incapacitantes, dor crónica, lesões desfigurantes perenes, deficiência física,
epilepsia, trauma medular, neoplasias malignas, HIV/Sida.
A teoria económica - sustenta que as práticas
administrativas associadas a outros factores são causas dos suicídios. Para
esta teoria, os modelos de gestão ou práticas administrativas modernos são
baseados nos avanços tecnológicos, o que diminui a necessidade de mão-de-obra
em massa, criando desse modo o desemprego. As pessoas vivem com medo do
desemprego na sociedade capitalista, tornando-as dependentes das empresas o que
faz aumentar as pressões para que elas se identifiquem e incorporem os seus
valores como verdadeiros dogmas. Entretanto, segundo esta teoria, as organizações
são prisões psíquicas, e a gestão do afectivo cresce como estratégia de
controlo e poder (Bastos, 2010, p. 5).
A teoria sociológica defende que o suicídio está
associado aos seguintes factores externos ao individuo: a idade, sexo, extractos
económicos extremos, local de residência; ocupação profissional, estatuto
social, isolamento social, estado civil, Identidade nacional (migrantes,
imigrantes, etc.)
Etimologicamente, o termo suicídio deriva do latim sui – de si – e caedere – matar, que significa morte
de si, ou morte autoinfligida e
aparece muito tarde em relação ao próprio acto de suicidar-se. Alguns
estudiosos acreditam que foi pela primeira vez usado em 1651, mas já se
encontrava escrito na obra de Sir Thomas Browne, de título “Religio Medici”. Antes deste termo eram usadas expressões como “self murder” (auto-assassinato) , “self-homicide” (auto-homicídio) , “self-slaughter” (auto-massacre). Estas
expressões reflictiam a pretensão cristã de considerar o suicídio como um
assassinato (Alvarez, 1999, p. 63; Shikida et
al, 2006, p. 4). Outros afirmam que o termo foi usado pela primeira vez por
Desfointaines em 1717 para designar o acto deliberado através do qual o
indivíduo decide intencionalmente provocar a sua própria morte (Costa, 2013:
16). Torna-se difícil estabelecer um consenso entre os diversos autores.
Pensar no suicídio faz parte da natureza humana e resulta
da sua liberdade de escolha, no geral, e da liberdade de escolha do estilo e
qualidade de vida que deseja levar, em particular.
Para Martin Heidegger (2005) do “Ser e Tempo” o
homem é um ser para morte, porquanto é um ser consciente do seu fim, da sua
temporalidade e da sua projecção histórica enquanto um mar de possibilidades
que, se não forem realizadas ele manifesta angústia e desespero, fonte de
atracção e desejo de morte.
O suicídio geralmente revela o fracasso do individuo na
vida, revela o culminar de uma confluência de problemas que tornaram a vida
insuportável e absurda (Camus), ou seja, sem sentido.
Assim, o suicídio resulta de um sofrimento interior
insuportável que torna o indivíduo desesperado ao ponto de desejar a sua
própria morte. Ele é um meio que o individuo suicida usa para se comunicar aos
demais, as suas frustrações, tormentos, dores, decepções, desespero e angústia
e que não houve ou viu nenhuma outra alternativa de se livrar dos seus pesares
senão tirar a sua própria vida (Toro et
al, 2013, p.7).
O suicídio aparece como uma única solução de resolução de
vários problemas que se encadeiam ao longo da história da vida do individuo,
como destacou um estudante suicida, ex aluno meu no filme em que ele documenta
previamente a sua própria morte “Mil
Problemas, Uma Solução[2]”.
O suicídio geralmente manifesta-se como uma solução aos
milhares de problemas que o individuo vem suportando no curso da sua vida. Mas,
apesar de ser visto como única solução a uma série de problemas, o suicídio não
é geralmente visto como um fim para tudo, mas, pelo contrário, como única
alternativa possível para uma determinada situação imediatamente insuportável e
aparentemente sem resolução (Cfr. Ferreira, 2008, p. 6).
Dessa forma, o suicídio é um pedido de ajuda de resolução
de problemas da pessoa que está a sofrer, e que não visa essencialmente acabar
com a sua própria vida, mas sim ter uma vida de qualidade e de acordo com a sua
concepção de qualidade de vida.
- Comportamentos
suicidários
Existem vários comportamentos suicidários, ou seja,
comportamentos que atentam contra a vida, que são:
Parassuicídio- acto ou comportamento não fatal,
eventualmente não habitual num dado indivíduo e com o qual ele não tem clara
intenção de morrer, mas no qual se arrisca a danos em si mesmo (mais ou menos
graves) caso não exista intervenção de outrem (Oliveira et al, 2001, p. 510; Ferreira, 2008, p.18).
Tentativa de suicídio - a OMS (2014, p. 12) considera
tentativa de suicídio ao comportamento suicida não fatal e refere-se ao
autoenvenenamento, autoinjúria ou autodanificação que pode ou não ter um
resultado fatal.
As tentativas do suicídio diferem do para-suicídio, pois
nas tentativas do suicídio o nível de intencionalidade suicida é superior em
relação ao para-suicídio (Silva, 2013, p.11). O parassuicídio relaciona-se aos
comportamentos de risco. Em cada morte de um adulto por suicídio há mais de 20
tentativas de suicídio (OMS, 2014, p. 9).
As tentativas de suicídio são mais comuns entre jovens e
no sexo feminino, enquanto que os suicídios são mais frequentes no sexo
masculino e nos idosos, por exemplo, ingestão excessiva de substâncias
psicoactivas (Idem);
Ideação suicida - é alimentação persistente da ideia de
se matar, mas que nunca seja a ser realizada. É pensar constantemente em acabar
com a própria vida e não consumar o acto.
Existem vários tipos de suicídio, determinados de acordo
com a área de pesquisa de quem os classifica, aqui iremos apresentar apenas os
tipos de suicídio na perspectiva sociológica (que é a nossa área de interesse),
de acordo com o clássico do estudo sociológico do suicídio, Émile Durkheim.
Em Durkheim (2000) há três tipos de suicídios: (1) O
suicídio egoísta, que resulta da existência de pouca integração social ou pouco
desenvolvimento de laços sociais dos indivíduos na sociedade; (2) suicídio
altruísta, que resulta da extrema integração social do individuo na sociedade
ao ponto de perder a sua identidade como pessoa e acredita que sua morte pode
ser um benefício para a sociedade; e o (3) suicídio anómico, que resulta da
fraca regulação da sociedade, ou seja, quando as normas da sociedade não
correspondem aos objectivos de vida do individuo.
- Ideias
sobre o suicídio ao longo da história
Ao longo da história, o suicídio foi conotado de diversas
formas, ora como um acto corajoso, ora como pecado, ora como crime, ora como um
mal, ora como patologia e loucura (Cfr. Pedro, s/d.: 2).
Na Grécia antiga, os gregos só se suicidavam pelas
melhores razões possíveis: por pesar, por princípios patrióticos ou para evitar
a desonra. Ou seja, os gregos toleravam o suicídio e até o louvavam, desde que
a pessoa apresentasse à justiça razões suficientes para consumar o acto (Cfr.
Alvarez, 1999, p. 61, Durkheim, 2000).
Já os romanos, não viam o suicídio com medo nem com
repulsa, mas com dignidade e segundo os princípios que haviam escolhido para
orientar as suas vidas. Para eles, “viver de forma nobre também significava morrer
de forma nobre e no momento certo” (Alvarez, 199, p. 75).
Os romanos somente puniam o suicídio se fosse feito sem
motivos justos porque o consideravam irracional e não crime, ou seja, na lei
romana o suicídio era um crime estritamente económico e não uma ofensa nem
violação da moral nem violação da norma religiosa, mas apenas contra os
investimentos de capital da classe proprietária de escravos ou do tesouro do
Estado (Ibid., p. 75-76).
Portanto, a Europa pagã, isto é, antes da introdução do
cristianismo, tolerava o suicídio, porém quando se introduz o monoteísmo
cristão há certa intolerância religiosa e também do suicídio, considerando-o um
crime capital baseando-se nas ideias duma das leis do Pentateuco “não matarás”
e do reforço que Santo Agostinho faz sobre essa lei (Ibid., p. 65).
Segundo Agostinho de Hipona o suicídio é “homicídio de
si”. Para o santo, quem tira a sua própria vida é homicida e a culpa pela sua
morte é mais grave quanto mais inocente terá sido a causa da morte (Agostinho,
2006; p. 149).
Toda a Idade Média condenou o suicídio até que, com a
Revolução Francesa, que pregava como valores essenciais, a liberdade, a
igualdade e a solidariedade, foram abolidas as medidas e leis condenatórias
contra o acto de matar-se.
Actualmente o suicídio é socialmente (não necessariamente
do ponto de vista legal) condenado pela maioria das sociedades, em particular,
e aquele que é usado como método para a prática do terrorismo por quase todas
as sociedades, no geral (Shikida et al,
2006 p. 5).
- A
dimensão social de suicídios
Segundo Durkheim (2000), identificar as causas
individuais de suicídios contribui para compreender as motivações pessoais que
levaram o indivíduo a se matar, porém não contribuem pra explicar as variações
regionais da taxa social de suicídios. Entretanto, em Durkheim o suicídio é um
fenómeno social e cada sociedade tem certa predisposição para certa taxa social
de suicídios, baseada no nível de integração social dos indivíduos. Quanto mais
profunda for a integração social, menor será a probabilidade de que os
indivíduos venham suicidar-se e quanto menos profunda a integção social, maior
será a probabilidade de que os indivíduos se suicidem.
De acordo com Netto (2007) os suicídios são determinados
pela sociedade em que acontecem; sendo, na esteira de Berger e Luckman (2004),
uma construção social da realidade, vinculada ao contexto histórico-social
dessa mesma realidade. As circunstâncias do ambiente físico, socioeconómico e cultural no qual as pessoas
nascem, vivem, trabalham e envelhecem influenciam, positiva ou negativamente, a
saúde pública mental (Loureiro, 2018; p. 4).
Entretanto, as causas sociais tem primazia em relação as
causas psicopatológicas, pois que, segundo Adam e Herzlich (2001), as doenças
têm um carácter histórico, pois resultam da realidade histórico-social em que
aparecem, ou seja, "de complexas interacções entre processos orgânicos e
factores sociais" (Ibid. p. 11). Por exemplo, a depressão é conhecida como
“a doença da modernidade” porque, segundo Simmel (2005), a sociedade moderna
capitalista caracteriza-se pelo distanciamento e pelo anonimato, o que cria
problemas psíquicos e aumenta o índice de transtornos mentais. Entretanto, o
social relaciona-se directamente com o psíquico, na medida em que a realidade
social cria e intensifica os problemas psíquicos (Pedro, s/d.: 7).
Dessa forma, na investigação sobre as causas dos
suicídios, as ciências sociais e ciências do comportamento, devem considerar o
papel da sociedade, avaliando os seus aspectos socioeconómicos e culturais
(Pedro, s/d.: 1).
Portanto, “a classificação das diferentes causas do
suicídio deveria ser a classificação dos próprios defeitos da nossa sociedade”
(DA SILVA, 2012, p. 4).
Uma taxa social elevada de suicídios denuncia o mal-estar
da sociedade em que se verifica, por isso que o suicídio é um fenómeno social
que deve ser tomado a sério no sentido de se prevenir.
- Deixar-se
partir?
Independentemente das causas, dos meios e das
consequências do suicídio, este é uma decisão pessoal, que resulta da liberdade
humana de decidir sobre a sua vida, o seu próprio destino. Cada ser humano é
dono das suas próprias escolhas, boas ou mas, e da sua própria vida.
Entretanto, o suicídio deve antes de mais nada ser entendido como um acto de
expressão mais alta da liberdade humana, porém este acto de expressão pode ser,
do ponto de vista moral e legal, colocado em causa devido às consequências
sociais que dele advém ou podem advir.
No entanto, com o intuito de colher os juízos morais em
volta do acto de tirar a sua própria vida, convidamos ao estimado leitor a
reflectir e responder a questão: deixar-se partir? Porquê?
[1] Provem de parassuícidio - acto ou
comportamento não fatal, eventualmente não habitual num dado individuo e com o
qual ele não tem clara intenção de morrer, mas no qual se arrisca a danos em si
mesmo (mais ou menos graves) caso não exista intervenção de outrem (Oliveira et
all, 2001: 510).
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